Com mais de 25 anos de experiência em Comunicação e Relações Públicas, Paulo Sampaio construiu uma trajetória sólida liderando equipes e desenhando estratégias de reputação em grandes corporações como Natura, Citibank e Itaú Unibanco. Jornalista de formação, com MBA em Gestão de Negócios pela FGV, ele combina visão estratégica e leitura de contexto para orientar líderes e empresas em tempos de incerteza. Na conversa com a Caliber, Paulo analisa o papel das lideranças e dos comunicadores em um ambiente de polarização, transformação digital e crescente escrutínio público.
Ao longo da entrevista, o executivo defende que “o silêncio não é mais uma opção” para empresas de grande visibilidade. Para Paulo, cabe ao comunicador atuar como conselheiro estratégico dos CEOs, ajudando-os a equilibrar prudência e transparência, e a alinhar cada manifestação pública aos valores da companhia. Ele destaca ainda a importância da coerência — entre discurso, propósito e prática — como principal antídoto aos riscos de reputação, especialmente em um cenário onde neutralidade deixou de existir e cada posicionamento carrega impactos diretos sobre a percepção dos stakeholders.
Suas reflexões dialogam diretamente com o propósito da gestão integrada da reputação corporativa, essência do trabalho da Caliber. Paulo reforça que, para proteger e ampliar o capital reputacional, é preciso investir em cultura, dados e liderança — pilares que sustentam a confiança e a admiração em torno de uma marca. Em um mundo marcado pela policrise e pela sobreposição de riscos, sua visão propõe uma comunicação mais madura, baseada em evidências e alinhada à estratégia de negócios: a reputação como eixo de valor e vantagem competitiva.
“Não existe neutralidade diante de marcas superexpostas.”
Nos últimos anos, observamos que o cenário de polarização e riscos reputacionais crescentes tem causado a retração na exposição pública de CEOs. Como os profissionais de Comunicação podem equilibrar a necessidade de proteger o líder e, ao mesmo tempo, manter a relevância e a humanização da marca? Em que momento o silêncio deixa de ser prudente e passa a ser prejudicial para a reputação corporativa?
O silêncio não é mais uma opção nos dias de hoje, em especial para empresas com grande visibilidade e impacto social. Nas últimas décadas, com a digitalização dos meios de comunicação e a consolidação das redes sociais e profissionais, a voz das principais lideranças das organizações tem sido cada vez mais demandada e passou a cumprir também o objetivo de humanizar e dar uma cara para essas organizações. Muitos CEOs passaram a ser os principais “RPs” das marcas que representam.
Esse movimento virou oportunidade para os executivos e também para os profissionais de RP, que surfaram a onda e utilizaram essa exposição para posicionar as suas corporações como líderes não apenas em temas de suas áreas específicas de atuação, mas também em questões mais gerais e de grande relevância social, como economia, meio ambiente e diversidade.
Para navegar neste mar revolto fruto da polarização ideológica, o profissional de comunicação e relações públicas precisa, mais do que nunca, ser um conselheiro estratégico para os seus CEOs. Isso implica saber ler contexto – e aqui me refiro ao que acontece fora da empresa e do seu setor, como movimentos políticos, econômicos e sociais –; ter a capacidade de avaliar a pertinência de se manifestar versus o risco de parecer oportunista ou mesmo cair em armadilhas; garantir coerência com os valores e o discurso das companhias; equilibrar frequência e transparência; e, por fim, treinar muito bem o CEO. Afinal, ele é a cara e a voz da empresa, para dentro e para fora.
O espaço de neutralidade está desaparecendo e as marcas são cada vez mais pressionadas a se posicionarem diante dos temas importantes para seus stakeholders. Como desenvolver uma estratégia que permita às marcas fazerem parte da cultura e, ao mesmo tempo, construa e proteja reputação?
Na minha visão, ter valores claros e coerentes com o negócio e se posicionar quando pertinente é fundamental para o fortalecimento da cultura da companhia e a construção e proteção da sua reputação. Uma das premissas básicas para evitar riscos reputacionais é garantir que todas as iniciativas e manifestações da organização estejam 100% alinhadas à sua cultura e atuação como agente econômico que gera impacto social.
Por exemplo, faz muito sentido para uma empresa que vende produtos para melhorar a vida de pessoas 50+ promover ações como o patrocínio de eventos direcionados a esse público ou realizar campanhas de combate ao etarismo. Por outro lado, ações nessa linha ficariam fora de contexto se implementadas por uma empresa cujo “core” do negócio impacta somente o público mais jovem. Por mais positivas que sejam, soariam como “social washing” e exporiam a empresa a questionamentos legítimos e críticas dos “haters”. Coerência é o nome do jogo aqui. Por mais firme ou polêmico que um posicionamento seja, se ele for coerente com os valores, o discurso e a atuação da empresa, a chance de arranhar sua reputação é pequena.
Não existe neutralidade da opinião pública diante de empresas que estão superexpostas, seja porque investem pesadamente em marketing ou porque mantém muitos pontos de contato com clientes e demais públicos. Essas empresas muitas vezes acabam construindo marcas que são adoradas por alguns e detestadas por outros. Faz parte do jogo. O que faz a diferença é o quanto elas conseguem ser consistentes e coerentes especialmente quando se veem em contextos sensíveis ou crises.
Existem crises de diferentes naturezas e intensidades. Diante de uma crise que afeta toda uma cadeia produtiva, como um executivo de Comunicação pode orientar a sua empresa a agir de forma estratégica, equilibrando responsabilidade, transparência e prudência?
Eu costumo dizer que crises que afetam todo um setor são férteis para o surgimento de oportunistas e oportunidades. Os oportunistas veem na crise a chance de se descolar no mercado, desqualificando os concorrentes – na maior parte das vezes de maneira indireta, sem declaração de guerra. Os que veem oportunidade buscam se diferenciar dos concorrentes entregando novas soluções aos clientes e mantendo uma relação de transparência e confiança.
O caso recente relacionado à contaminação de bebidas destiladas por metanol é um bom exemplo. Enquanto alguns bares e restaurantes enviaram comunicações aos clientes “garantindo” a procedência dos seus produtos e incentivando o seu consumo, visando evitar perdas de receitas, outros deram um passo para trás, foram transparentes quanto às incertezas do momento e ofereceram produtos alternativos aos consumidores até que tudo estivesse esclarecido. Para mim, é muito claro que este segundo grupo de empresas terá mais sucesso em estreitar a relação de confiança com seus clientes, por mais que em um primeiro momento isso possa significar perda de receitas.
De forma geral, a primeira coisa que o time de comunicação deve fazer em crises setoriais é entender até que ponto as empresas envolvidas devem se pronunciar individualmente e até que ponto esse é um papel da entidade que representa o setor. Em ambos os casos, é fundamental haver alinhamento de discurso, inclusive entre concorrentes – obviamente sem que isso gere conflitos de interesse ou questões legais do ponto de vista concorrencial. Fato é que nesse tipo de crise todas as partes têm seu papel e precisam dialogar de forma estratégica e transparente com clientes, acionistas, colaboradores, parceiros e demais públicos de relacionamento..
A gestão de dados aparece com frequência entre os maiores desafios dos departamentos de Comunicação; assim como a dificuldade de associar as conquistas da área aos objetivos do negócio. Como você tem visto a evolução dessas questões e o que acha que devemos esperar em um futuro próximo?
O uso de dados é um grande desafio por diferentes fatores, entre eles o custo de se obter informações úteis e confiáveis e a capacitação dos profissionais de comunicação e RP para leitura e uso dessas informações. Vejo como tendência a maior facilidade em contratar plataformas e serviços de coleta e tratamento de dados e também a melhor preparação dos profissionais na nossa área. Eu diria que hoje já é mandatório, ao menos nas grandes organizações, usar dados para construir estratégias vencedoras e reportar resultados para as lideranças.
O outro ponto da pergunta, sobre a relação entre os resultados de comunicação e o sucesso dos negócios, é um pouco mais complexo. Isso porque as plataformas que mensuram resultados de ações de comunicação e RP ainda se baseiam muito em quantidade e qualidade de exposição na mídia – quando muito no impacto reputacional, usando para isso pesquisas de opinião. Estas ferramentas são fundamentais para o nosso trabalho, mas elas precisam estar conectadas com indicadores do negócio para fazerem sentido para os executivos da empresa.
Uma área de comunicação e RP conectada com o negócio é capaz de correlacionar seus esforços e investimentos com os resultados na mídia, mas principalmente destes com os indicadores de negócio – por exemplo, aumento na geração de leads, crescimento nas vendas ou maior retenção de clientes. A visibilidade e o engajamento decorrentes das ações de comunicação e RP são meio, e não fim para a empresa. É preciso ter isso claro e aprender a falar a língua do negócio para conseguir demonstrar o sucesso do trabalho realizado.
A inteligência artificial inspira algumas pessoas e assusta outras. De que forma as lideranças devem atuar para estimular que a IA impulsione a criatividade e a relevância da comunicação corporativa, ajudando as marcas a se expressarem com mais autenticidade e propósito — sem perder o olhar humano e o senso crítico que dão sentido à narrativa institucional?
O uso de IA pelas áreas de comunicação corporativa, assim como em outras áreas dentro das organizações, ainda me parece incipiente. As pessoas estão testando as possibilidades e descobrindo aos poucos o quanto as ferramentas disponíveis podem ser parceiras no dia a dia. Eu tenho me surpreendido com as possibilidades de uso da IA em comunicação, pois vejo ganho relevante na agilidade para tarefas mais operacionais, mas também na facilitação da construção de projetos mais sofisticados, que exigem levantamento e uso de dados, produção de conteúdos e estruturação de planejamentos.
Acredito que as lideranças devam estimular a exploração da IA por suas equipes e oferecer a elas capacitação para isso, de modo que o aprendizado seja mais rápido e efetivo. Como toda nova ferramenta de trabalho, é preciso estudar e treinar para obter resultados. O segredo para que a IA seja uma parceira do time de comunicação é justamente garantir que ela gere insumos úteis para o trabalho das pessoas, e não algo que substitua a sua capacidade de criar e avaliar. Criatividade e senso crítico são e continuarão a ser qualidades humanas essenciais para os profissionais da área, que podem e devem aplicá-las no uso de IA, desde o briefing até o ajuste daquilo que ela entrega.
Esse é um espaço democrático e as opiniões expressadas não refletem necessariamente a posição da Caliber sobre o tema.





