Secretário Executivo do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, Reinaldo Bulgarelli é uma das vozes mais influentes na construção da agenda de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) no Brasil. Pioneiro desde a fundação do Instituto Ethos em 1998, Bulgarelli oferece, nesta entrevista, uma análise crítica e estratégica sobre os desafios e oportunidades que a pauta representa para as organizações; além de conectá-la com a gestão da reputação corporativa.
Ele afirma que, apesar de a crise das políticas de diversidade nos Estados Unidos influenciar o ambiente corporativo brasileiro, a cultura e a legislação do Brasil seguem caminhos distintos — e é fundamental que as empresas locais reconheçam isso. Sócio-diretor da Txai Consultoria, membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República e professor, Reinaldo destaca que a diversidade não deve ser tratada apenas como uma demanda social, mas como fonte de inovação e desempenho empresarial.
A entrevista reforça que uma estratégia robusta de DEI deve estar ancorada na identidade organizacional e conectada aos negócios. Bulgarelli também aponta que empresas diversas se adaptam melhor a contextos de mudança e inovação, inclusive na adoção de tecnologias emergentes, como a inteligência artificial.
“As demandas trazidas pela diversidade são vistas apenas como um problema, mas são fonte de inovação porque geram aprimoramento de posturas, políticas, processos, paredes…”
Você é um dos precursores no aconselhamento de empresas em relação à diversidade. Sobre uma perspectiva histórica, o que significa o momento pelo qual estamos passando atualmente, que registra opiniões polarizadas sobre DEI e iniciativas para esvaziamento da pauta?
Fui mesmo um precursor e é bom lembrar que iniciamos o trabalho com diversidade, equidade e inclusão no Brasil a partir da criação do Instituto Ethos e dos seus indicadores para empresas socialmente responsáveis. Isso foi em 1998 e eu estava lá. Não havia programas de diversidade. Avançamos muito no ambiente empresarial e na sociedade em relação a vários temas que nem sequer eram problematizados pelas empresas, como a ausência de pessoas negras. Avançamos em posturas e práticas, soluções, instituições, normas e leis, base para continuarmos avançando nos números de inclusão de segmentos discriminados.
No ambiente atual, a crise é americana, dentro do próprio ambiente empresarial e fortalecida por um cenário político que criminalizou os programas de diversidade. Afeta o Brasil por pressão das matrizes ou de empresas com negócios nos EUA e com o governo americano. No entanto, estão equivocados, porque, aqui, a legislação e a cultura brasileira são diferentes, vão em outra direção. Um amigo consultor do tema estava lembrando hoje que o DataFolha nos mostrou em 2022 que 80% dos brasileiros achavam que a homossexualidade deveria ser aceita. A polarização, a partir deste exemplo, pode ser apenas uma justificativa de algumas empresas para não agir e nem mesmo pensar nestes temas. O que se defende lá, aqui é crime. Nossas empresas vão ter que achar um caminho para lidar com a pressão americana.
Você diz que essa discussão não é apenas sobre o que a empresa pode fazer pela diversidade, mas o que a diversidade pode fazer pela empresa. As lideranças estão falhando em ver esse potencial? Em caso positivo, como equilibrar essa percepção de valor?
Sim, é uma construção, às vezes tida como lenta demais. Eu trago parte da responsabilidade para nós que promovemos a agenda de negócios sustentáveis. Nós colocamos esse tema apenas como uma demanda da sociedade civil engajada e ativista, mas ela é isso e é também uma agenda de inovação, de negócios de tipo novo, que contempla a adição de valor a todos os stakeholders e promove o desenvolvimento sustentável no planeta.
Eu aprendi a fazer as duas perguntas, percebendo que não mobilizar a inteligência da nossa liderança, vamos dizer assim, era um erro estratégico. A liderança empresarial não enxerga o potencial da diversidade, mas ativistas, consultores, profissionais engajados nestes temas de transformação organizacional precisam aprender a fazer perguntas melhores. As demandas trazidas pela diversidade são vistas apenas como um problema, mas são fonte de inovação porque geram aprimoramento de posturas, políticas, processos, paredes… É na demanda desafiadora que moram a criatividade e a inovação para a empresa melhorar seu desempenho como organização conectada com o tempo e lugar onde opera suas atividades.
Na sua experiência, de que forma uma estratégia robusta de diversidade, equidade e inclusão se converte em ganhos tangíveis de reputação corporativa perante investidores, clientes e colaboradores? E quais métricas você considera indispensáveis para demonstrar esse impacto?
A estratégia robusta, consistente, rejeita o oba-oba, a superficialidade, as demandas que não visam melhorar o todo. De maneira simples, o primeiro vínculo do tema deve ser com a própria identidade organizacional da empresa – a missão, visão e valores dizem muito sobre como a diversidade pode adicionar valor à maneira como a empresa escolheu ser, fazer e se relacionar.
É na identidade que mora o tal vínculo com os negócios, compreendendo que é negócio contratar bem, evitar custos com assédios e outros crimes, turnover e outros problemas gerados por ambientes fechados que não permitem autenticidade, e assim vai. Uma empresa que gosta de diversidade, gosta de gente, não apenas das minorias. Meu livro “Diversos Somos Todos”, de 2008, já trazia tudo isso, mas a maioria das lideranças continua indiferente ao valor da diversidade e nem sempre promovemos diversidade com essa perspectiva de melhorar o todo.
Quanto às métricas, só de falar nelas já é um grande avanço. Há alguns temas dessa agenda de transformação que parecem não fazer parte da agenda de gestão da empresa e, portanto, não se pensa em métricas, acompanhamento dos dados, avaliação do desempenho dos programas e do investimento realizado, o tal ROI. Podemos fazer censos internos, mas precisam ter sentido, precisam ser utilizados, por exemplo, para se pensar em metas, planos de ação e formas de atingir essa meta. Estamos começando a falar sobre outras métricas. Estive com uma executiva do varejo outro dia que observou o quanto as lojas com mais diversidade – de características, de identidades, histórias de vida – vendiam mais, muito mais, com impacto também na reputação da unidade, maneiras de clientes reclamarem e lidarem com problemas. É muito bom incluir nos programas essas métricas relacionadas também ao impacto, ao resultado das empresas.
Na prática, como políticas sólidas de DEI aceleram a inovação — especialmente na adoção de tecnologias emergentes como inteligência artificial — e quais ações concretas você recomenda para garantir que os vieses não migrem do capital humano para os algoritmos da organização?
Questão complexa e que estamos vivendo neste momento, não é mesmo? Há indicações de que investir em diversidade melhora a forma como a empresa lida com mudanças que chegam de repente ou que estão se desenvolvendo junto com várias outras, em sentidos opostos e ao mesmo tempo, na sociedade.
Um exemplo é a pandemia e a observação de que empresas com mais diversidade conseguiram se adequar à nova realidade com mais rapidez e melhores resultados. Mais uma vez, é bom lembrar que, a demanda desafiadora de mães, que pediram para a empresa criar uma sala para coleta de leite materno, no retorno da licença maternidade, estava contribuindo para a inovação. A mesma coisa podemos dizer sobre gestores que tiveram que aprender a entrevistar um candidato surdo. A inovação não cai do nada na cultura da empresa, mas é construída nesta disposição cotidiana de lidar com a vida como ela é, entre tantos outros aspectos.
Com a inteligência artificial e toda a questão dos algoritmos não é diferente. Circulou nas redes sociais um grupo de pessoas negras diante de uma saboneteira que só liberava sabão para mãos de pessoas brancas. A empresa foi genial em bolar essa saboneteira com sensor, mas venderá apenas para uma parte da população mundial. Não havia pessoas não brancas envolvidas na proposta? Se havia, elas não tinham um ambiente seguro para propor aprimoramento da proposta? O viés da empresa e de suas pessoas navegou livremente na análise, na proposta de solução e na execução do produto tido como inovador. Enfim, moderno, inteligente, chique é o ambiente inclusivo.
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