¨Entender a gestão (e a autogestão) como uma gestão de paixões é importante tanto para os líderes quanto para o ambiente empresarial em geral¨.
Nesta entrevista, Hamilton dos Santos, diretor-executivo da Aberje, responde cinco perguntas essenciais sobre os segredos da gestão e sua conexão com o poder transformador das paixões.
Confira:
– Em seu livro “O Triunfo das Paixões – David Hume e as Artimanhas da Natureza Humana”, você traça um paralelo entre a paixão e a razão. Como a relação entre essas duas faculdades podem ser comparadas com nosso mundo atual, principalmente quando falamos em redes sociais?
¨Para Hume, a razão é capaz de nos fazer conectar nossas ideias de modo coerente, mas não oferece nenhuma orientação moral ou impulso para a ação. São as paixões que nos levam a agir. Além disso, Hume observa a existência, em nossa natureza, de uma faculdade que ele chama de simpatia. A simpatia diz respeito a uma forma de contágio passional entre as pessoas e ela está na base da compreensão de como nossas dinâmicas passionais se dão em escala coletiva, sendo que é desse modo que elas constroem nossa moralidade. Isso significa que nosso comportamento e nosso senso do certo e do errado dependem de nossas interações simpáticas, isto é, de nossos modos de contaminação passional mútua.
No que diz respeito às redes sociais – talvez não tanto em relação a elas, mas ao uso indiscriminado e excessivo de aparelhos de intermediação digital –, nós podemos encontrar um problema. As redes são um ambiente de convivência no qual a simpatia não encontra muito espaço para se manifestar. A simpatia depende de processos naturais de identificação que, podemos dizer, não operam nas interações humanas com os equipamentos eletrônicos. E como toda faculdade, para Hume, atrofia se não é utilizada (ou se fortalece com o uso recorrente), o uso excessivo das redes sociais pode atrofiar a simpatia (e reforçar prazeres egoístas ou mesmo sádicos permitidos nas redes). O modo como as redes sociais operam com o estímulo constante de nossas paixões, muitas vezes sem coerência ou continuidade, as tornam ameaçadoras para nosso desenvolvimento moral. Isso certamente serve para alimentar polarizações políticas, apegos a fake news, sadismos, indiferenças¨
– As paixões, muitas vezes vistas como algo negativo, podem ser ferramentas valiosas para o autoconhecimento e a transformação social. Que papel as empresas e os líderes podem desempenhar em promover uma cultura que valorize e utilize as paixões de forma positiva?
¨Acredito que um gestor vai ser melhor se tiver um conhecimento aprofundado da natureza humana; e estou sugerindo que David Hume é uma boa fonte para se aprofundar nesse conhecimento. Para Hume não existe nenhum valor moral intrínseco a qualquer paixão; todas elas podem ter o seu lugar num quadro geral dos comportamentos necessários. No entanto, há uma divisão entre o que ele chama de paixões calmas e de paixões violentas. As calmas costumam estar associadas ao comportamento sensato, à meditação, à ação ponderada; enquanto as violentas estão mais próximas dos impulsos. Além disso, segundo a sua Teoria das Paixões, a vontade e a razão não possuem qualquer poder de controlar as paixões – são as paixões que se autorregulam. Sendo assim, somente uma paixão pode barrar ou acalmar outra paixão. O que isso indica é que um ambiente saudável e produtivo depende de uma economia passional adequada, e o bom gestor é aquele que se preocupará com gerir essa economia. Do mesmo modo, exercitar-se nas paixões calmas é, de acordo com o filósofo, fundamental para o desenvolvimento pessoal. Entender a gestão (e a autogestão) como uma gestão de paixões é importante tanto para os líderes quanto para o ambiente empresarial em geral. ¨
– Qual é a importância da comunicação estratégica na gestão da reputação de uma empresa?
¨A reputação, podemos dizer, é o saldo das opiniões favoráveis e desfavoráveis que se tem de uma pessoa, marca ou instituição. Essas opiniões nunca são moldadas de forma aleatória, existe sempre uma economia geral das tendências e demandas sociais. Quais vão ser as opiniões dos outros nunca está em nosso controle, afinal, são as opiniões dos outros, mas é possível tentar entendê-las e seguir alguns preceitos básicos da boa reputação. A comunicação estratégica é importante porque permite seguir alguns desses preceitos básicos – a saber, a transparência e a verdade –, além de, através do diálogo, contribuir para uma compreensão das dinâmicas da sociedade, quais são suas demandas morais. Hoje, as expectativas sobre as empresas são altíssimas em relação a questões sociais, ambientais e de governança; a comunicação estratégica, então, se mostra mais do que nunca como um fator central para a construção de qualquer marca e qualquer reputação empresarial.¨
– Quais são as tendências para o futuro da gestão da reputação no Brasil?
¨A tendência é as empresas se adequarem cada vez mais às expectativas e valores da sociedade brasileira, isto é, compreenderem cada vez mais a importância dessa adequação e aderirem a ela. Claro que, como o próprio Hume fala no seu ensaio sobre o gosto, às vezes é necessário impor o seu gosto; quero dizer: as empresas também têm espaço para serem criativas e submeterem a si próprias e seus produtos à avaliação pública de modo propositivo. Claro que isso só pode ser feito por meio de testagens e certa ousadia, o que sempre envolve riscos; porém, nada é definitivo, os equívocos podem ser corrigidos com o tempo. Cada instituição será julgada pelos valores maiores da sociedade, essa é sempre a tendência.¨
– Como a Aberje se prepara para atender às novas demandas do mercado em relação à gestão da reputação?
¨Nós criamos condições cada vez mais estruturadas de escuta ativa com nossos associados. Mais ainda: criamos condições para que ouçam uns aos outros, troquem experiências e construam tendências coletivamente. Por condições estruturadas me refiro a programas, cursos, eventos. E estendemos essas condições para uma escuta ativa tanto com as empresas quanto com o Estado e com a sociedade em geral.
Saiba mais sobre o livro: “O Triunfo das Paixões – David Hume e as Artimanhas da Natureza Humana.”
Sobre Hamilton dos Santos
Hamilton é jornalista, bacharel e mestre em Filosofia pela Universidade de São Paulo. É Diretor-geral da Aberje – Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, sendo responsável por publicações e laboratórios de pesquisa na frentes de mobilidade, compliance e cultura. Pesquisa a interface entre comunicação e filosofia, ministrando curso sobre reputação em David Hume e Michel de Montaigne. Trabalhou em veículos como Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. Foi também diretor de treinamento e desenvolvimento organizacional da Editora Abril.